INOCÊNCIA ROUBADA - Um grito de alerta

A menina Odette (Cyrille Mairesse): mergulho na própria tragédia 

Carência e falta de comunicação são causa e consequência em alguns relacionamentos . O medo constrói esse quadro que resulta em omissão e nas maiores barbaridades. Em “Inocência roubada”, o casal de diretores e roteiristas, Andréa Bescond e Eric Métayer, adaptaram para o cinema, o sucesso teatral montado por eles em 2014. Mais do que isso, Bescond, vítima de abuso sexual na infância, escreveu uma história inspirada na própria dor. Mas a ideia iria além de uma catarse pessoal. Os autores pensaram em contar uma história que tocasse todas as pessoas. Na trama do filme, Odette (Cyrille Mairesse) é uma menina de 8 anos que adora dançar e desenhar. Um amigo de seus pais se oferece para "fazer cócegas" nela. Já adulta, Odette Le Nadant (muito bem interpretada pela própria Bescond) é uma mulher focada na carreira de dançarina. Ela usa a arte para espantar o fantasma que continua a assombrá-la. Um dia resolve recorrer a uma terapeuta e, pela primeira vez, ela revela ter sofrido abuso durante sua infância.

A chocante situação de uma pessoa que passou a vida em silêncio sobre a violência que sofreu vai aos poucos sendo revelada. Há um recurso de encenação muito bem utilizado quando a Odette adulta está com a terapeuta na mesma encenação do passado. Essas memórias não são fáceis de encarar e a própria vítima tenta escapar da revisão desses acontecimentos. A direção tem o cuidado de mostrar a abordagem do criminoso, sem cenas explícitas, mas suficiente encenação para que possamos entender como ocorrem os abusos tão próximos de uma chocante realidade. A coreografia contemporânea da artista Odette expõe suas mais profundas lembranças e o trauma dos estupros. A construção da relação dela com a dança, com as pessoas, e, principalmente, com a mãe (a ótima Karin Viard), revelam o quanto a falta de comunicação é um dos grandes males da humanidade. A mãe é imperativa e muito preocupada com as aparências. Ela não dá chances a Odette. Nem na infância, nem na vida adulta.

O estuprador é um amigo da família, alguém “acima de qualquer suspeita” que exerce um poder sobre a criança que sofre com a vergonha e o medo de como os pais vão encarar a situação. O trauma e a carência de comunicação dos pais com a filha silencia Odette por décadas. Esse retrato é muito bem construído e há um empenho dos diretores em mostrar que esses abusos podem ocorrer dentro da “segurança do lar”. A sensível narrativa de “Inocência roubada” foi premiada com o César, o Oscar francês, de melhor roteiro adaptado e melhor atriz coadjuvante para Karin Viard. Um alerta para que pais fiquem mais atentos e ouçam mais os seus filhos. Eles precisam dizer o que sentem e o que pensam. Esse é o ponto principal da criação.


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