VIDRO - Coelhos na cartola


M. Night Shyamalan construiu uma carreira de diretor e roteirista na virada do século fundamentada com extrema habilidade de construção climática e finais surpreendentes. Seu mestre assumido é Alfred Hitchcock exatamente por esses dois fundamentos que Hitch pautou e transformou em cânone para gerações de cineastas, incluindo fazer pontas nos filmes dele como o era hábito do mestre do suspense.
Agora em “Vidro”, segundo filme da fase de “redenção” de M. Night, o realizador apresenta a terceira parte de uma trilogia que começou com “Corpo Fechado”, em 2000.
Se o sucesso veio com “O Sexto Sentido” (1999), “Corpo Fechado” que apresentava uma elegia aos quadrinhos e um olhar inusitado sobre herói e vilão, dividiria os críticos e colocaria o diretor em questão. “A Vila” teria boa recepção, mas gerava polêmica. “Sinais”, “A Dama da Água” e “Fim dos Tempos” acabaram como projetos de repercussão autoral, porém de recepção fria. Ao lançar “Fragmentado” em 2016, ele voltou aos braços do público e da crítica com a trama bem construída que revelaria a irmandade com “Corpo Fechado” e agora a continuação “Vidro”. 
Dessa vez, o multipersonalidades interpretado por James McAvoy, vai encontrar Elijah Price, o Mr. Glass, de  Samuel L. Jackson e o David Dunn, de Bruce Willis. Os poderes extraordinários dos três são questionados por uma psiquiatra, a Dra. Staple, de Sarah Paulson. As conexões para entender os três estão representadas pelo filho de Dunn (Spencer Treat Clark), a mãe de Glass (Sharlayne Woodard) e a vítima da “Besta” e suas personas (Anya Taylor-Joy). 
O começo é didático estabelecendo os inimigos presos numa instituição, mas M. Night, como Teseu no labirinto, vai desenrolando o novelo até o desfecho-assinatura dele. O Minotauro do diretor é a Besta de McAvoy. Como não é bom falar muito para não estragar o clímax, podemos dizer que “Vidro” não tem a força dramática de “Fragmentado” quando a atmosfera do medo é muito mais bem executada. A criatura feroz de McAvoy não chega a ser tão assustadora quanto no filme anterior. Mas podemos louvar o esforço do ator na tarefa difícil de dar conta de uma dúzia de personas. Em algumas, como Hedwig, o menino de 9 anos, “que não vai crescer”, temos sua melhor performance. Bruce Willis se sai bem como herói envelhecido e Samuel L. Jackson continua temido como Mr. Glass.
Para as intenções do diretor, a escalação de uma atriz do quilate de Sarah Paulson, é o maior êxito. O uso das cores, como o lilás, que sugere a proximidade com a cor que define um personagem, tem função cênica e dramatúrgica. 
Mesmo com irregularidades, M. Night Shyamalan mantém a autoralidade da sua obra e continua a nos assombrar tirando seus coelhos da cartola.

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