TROPA DE ELITE 2 - Revisão

TROPA DE ELITE 2 – O INIMIGO AGORA É OUTRO

Os inimigos ainda são os mesmos

No documentário “Ônibus 174” (2002) um morador de rua entra armado em um coletivo e faz reféns na zona sul do Rio. As falhas gravíssimas da polícia evidenciavam que ela não estava preparada para proteger as vítimas e nem lidar com o assaltante dentro do que rege a lei e os direitos humanos. O filme, que marcou a estreia de José Padilha na direção, já caracterizava a marca do cineasta: a denúncia de um Estado e de uma sociedade que criam seus inimigos. 
Com “Tropa de Elite” (2007), Padilha e o roteirista Bráulio Mantovani mergulham na criação ficcional baseada no livro “Elite da Tropa”, dos ex-policiais Rodrigo Pimentel e André Batista e do antropólogo Luiz Eduardo Soares, para expor a raiz do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar carioca. Um policial violento é o personagem principal. O bom-mocismo cai por terra. O filme quer falar daquele homem formado pelo Estado para proteger e que usa meios fora da humanidade para isso. “Tropa de Elite” conquistou um polêmico Urso de Ouro no Festival de Berlim 2008. Alguns acusaram o filme de fascista por retratar um policial violento que aparentava heroísmo, mas o presidente do júri, o consagrado cineasta Costa-Gavras defendeu Tropa argumentando que o filme revelava um sinal que se expandia na sociedade: o Estado deixava a polícia agir segundo sua própria vontade. 
A visão de Costa-Gavras era exatamente sobre o que seria a sequência da história do Capitão Nascimento (Wagner Moura). Um poder paralelo crescia e tomava conta de territórios acima e muitas vezes aliado a governos eleitos pelo povo, mas sem compromisso constitucional.  Em “Tropa de Elite 2”, Nascimento é coronel. A primeira ironia do filme é que o aparente sucesso na hierarquia, não rendeu a chamada satisfação com o cumprimento dos deveres. A composição de Moura é de um homem no limite emocional e com uma família partida. Ele está separado da esposa e o filho tem uma relação muito mais próxima com o padrasto, um ativista dos Direitos Humanos, do que com ele.
O sistema em que o Coronel Nascimento viveu sua carreira mostrou-se falho e ele é apenas uma peça da engrenagem. Quando o filme começa, ele é afastado do BOPE por conta de uma ação mal sucedida em um presídio. A “queda” o leva para um gabinete do serviço de inteligência da Secretaria de Segurança Pública. O “cumpridor de deveres” se torna uma anomalia fora do ambiente de combate. Ele descobre que o sistema está sendo usado contra o cidadão em esferas muito mais altas de poder.
O caráter documental não abandona a visão de Padilha e, mais uma vez, a encenação em câmera trêmula segue o olhar sobre o real. Um olhar que remete ao cinema de Michael Mann. O ritmo tenso e a violência crua não estão ali gratuitamente. O modo como a ação se desenvolve está alinhado com a narrativa de Nascimento. A montagem de Daniel Rezende contribui na concepção desse labirinto. O touro do poder que espreita o coronel é gigante. Como numa trama hitchcockiana, Nascimento está sozinho contra o perigo que ronda. 
As instituições do processo civilizatório estão dominadas pela obscuridade. O governo atua contra o cidadão, a imprensa tem um lado com compromisso ético-democrático e outro chapa-branca e as milícias crescem nas comunidades dominando o comércio e submetendo o cidadão a pagar um tributo paralelo para exercer o simples direito de ir e vir. 
Padilha particulariza o tema na relação de Nascimento com o filho adolescente Rafael (Pedro Van-Held) e o padrasto do jovem, o político e ativista Diogo Fraga (Irandhir Santos). Essa trama familiar contribui para humanizar os personagens além das paredes institucionais. O que sentem Nascimento, Rafael e Fraga define como eles lidam com o mundo lá fora. Mostrá-los como se relacionam é importante para o desenvolvimento da história. Um exemplo é o encontro do coronel com o filho no tatame. O que deveria ser uma conversa e uma troca de afetos é apenas uma luta que mostra como os sentimentos estão represados. Essa incomunicabilidade reflete a própria sociedade que vivemos e as relações patriarcais reprimidas diante desse estado de coisas.
Lançado em 2010, “Tropa de Elite 2” cobre várias nuances do atual momento da sociedade. Os personagens são espelhos de figuras públicas que estão todos os dias no noticiário. Portanto, o filme, quase 10 anos depois, expõe falsos mocinhos e muitos vilões. Nessa linha tênue entre o que parece o bem e o que é o mal, a História há de fazer justiça e colocar todos no devido lugar.
(Texto publicado na página do Cineclube Silvia Oroz em 27/05/2019)

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