As Viúvas - crítica
A escritora e roteirista Gillian Flynn é uma notável analista da sociedade americana. Um jeito ácido de enxergar as entranhas de um país e criar histórias desagradáveis, no entanto, instigantes. Autora de “Garota Exemplar”, ela escreveu também o roteiro para o filme dirigido por David Fincher que exibiu a face obscura de um lindo casal branco americano. Outro impacto esse ano foi a série “Objetos Cortantes”, da HBO. A obra de Gillian adaptada para TV mostra uma sociedade acomodada e doente. Agora, Flynn adaptou junto com o diretor britânico Steve McQueen, a criação da também britânica Lynda La Plante “As Viúvas” para o cinema. Na trama, três mulheres vão arquitetar um roubo após a morte de seus maridos criminosos. Uma quarta mulher entra na trama para compor um autêntico grupo que as circunstâncias extremas trataram de unir.
“As Viúvas” tem uma história longa desde a TV britânica, sempre capitaneada por Lynda. Em 1983, estreou a primeira temporada da série (no Brasil recebeu o título de “As Damas de Ouro”) e 1985, Widows 2. A mesma Lynda criou um dos grandes sucessos da televisão inglesa, a mundialmente premiada série “Prime Suspect”, com a grande Helen Mirren. Desde os anos 80, histórias feitas por mulheres sobre mulheres. Gillian e Lynda se encontram agora no perfeito lugar de seus estilos. Na Europa ou na América, “As Viúvas” é uma história de mulheres fortes forjadas nas experiências vividas. O que era observação da vida bandida dos maridos passa a ser uma tomada de posição sobre o que fazer das suas próprias vidas.
No filme dirigido por McQueen que abriu o Festival do Rio, o realizador, em grande escala, desenvolve a trama no sul de Chicago e coloca “As Viúvas”, além do drama: um tratado da sobrevivência contemporânea. Ele que lidou com os fantasmas masculinos em “Shame”, e fez um estudo do efeito do mal absoluto do cativeiro em “12 anos de escravidão”, agora joga com as estruturas sociais americanas. Ele conecta os assaltantes a uma luta política que envolve uma gangue e uma família tradicional com histórico de corrupção. Estão lá o líder religioso, as maquinações mafiosas, a cidade onde a lei da bala fala mais alto quando todos são comprados. O dinheiro sujo governa.
Mcqueen faz a audiência abrir as caixinhas com drama e até mesmo inspirados e ácidos momentos de humor. Liam Nesson, com sua persona, tiro, porrada e bomba, faz uma participação consistente. Colin Farrell está perfeito como o político nosso de cada dia. Há ainda dois bônus gloriosos. Daniel Kaluuya com a frieza absoluta de um bandido que mata enquanto vê um jogo na TV, numa atuação que merece ser considerada para o Oscar. O lendário Robert Duvall que aos 87 anos é a cereja do bolo. Político tradicional, o personagem dele Tom Mulligan é o responsável pela definição do que o filme trata: “não estamos aqui para transformar, estamos aqui para sobreviver”.
Quem está no palco principal da luta pela sobrevivência é Viola Davis. No papel da viúva do chefe da quadrilha, ela é mais uma vez candidata a uma indicação ao Oscar. Sua Verônica é a líder do grupo que reúne a sempre impressionante Michelle Rodriguez; Cynthia Erivo, uma diva da Broadway (sucesso no musical “A Cor Púrpura” e vem aí em Chaos Walking) e Elizabeth Debicki, uma atriz de 1 metro e 90 que brilhou nos palcos de Sydney com Cate Blanchett e Isabelle Huppert numa montagem antológica de “As Criadas”, de Genet, e na série “The Night Manager”. Elas são as donas do jogo.
McQueen e Flynn amplificam o mal estar da sociedade contemporânea (espelhamento com o Brasil atual). Não não é de hoje. Lynda La Plante está falando disso desde os anos 80.
O filme estreia no Brasil em grande circuito no dia 29 de novembro.
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