A Forma da Água - Crítica

Guillermo Del Toro é o mago dos monstros no cinema. Criaturas simbólicas do real. Na sua obra maior, “O Labirinto do Fauno” (Pan’s Labirinth/2006), ele criou um conto de fadas, ou melhor de fauno, para reproduzir dentro da fantasia, a página trágica da ditadura franquista que durou décadas na Espanha. Em “Hellboy” (2004), é o demônio que nasce do nazismo, mas age em oposição à maldade. 
Agora, o diretor e roteirista mexicano levou ao cinema o monstro em oposição à exclusão. “A Forma da Água” (The Shape of Water/2017) vai ao mundo real da Guerra Fria e da espionagem dos anos 60, do medo de uma guerra nuclear, da corrida pelo poder tecnológico e espacial entre Estados Unidos e da então União Soviética, para contar a história de uma criatura amazônica, com poderes que vão além das lendas do boto, capturado pelo governo americano e alvo dos soviéticos. 

A faxineira do laboratório Elisa Esposito descobre que a criatura não é um perigo e a partir da afetividade, resolve ajudar a libertar o monstro, vítima de experiências e tortura. Com ajuda de um vizinho e de uma colega de trabalho, Elisa leva “a forma” para casa. A mulher e a criatura estabelecem uma relação ainda mais próxima, passando pelo desejo e a paixão, que são sentimentos libertários.
A trama incorpora várias representatividades excluídas. A heroína Elisa, é uma latina, a amiga, também faxineira, é negra com um marido machista e rendido ao poder, o vizinho é gay, e o próprio monstro veio do desconhecido e, para os reacionários, o que não se conhece, de imediato é seu inimigo. Um agente do governo e um espião soviético, representam a estrutura burra de Estados burocratas.
Numa composição de cores e sons que rimam com a filmografia dark de Del Toro, poética e ao mesmo tempo assustadora, na fotografia de Dan Laustsen e na música de Alexandre Desplat, o filme passeia entre o colorido estético dos anos 60, mas com sombras e trama que remetem ao clássico B de 1954, “O Monstro da Lagoa Negra”, e passa por Carmem Miranda, Alice Faye e Andy Williams na bela seleção musical.

O capricho de produção é coroado por um elenco liderado por Sally Hawkins, Octavia Spencer, Richard Jenkins, Michael Shannon, Michael Stuhlbarg e o constante colaborador de Del Toro, Doug Jones, como a criatura. Todos magníficos em cena, com destaque para Sally na composição de uma surda-muda.

Indicado a 13 Oscars, incluindo melhor filme, direção, roteiro original, atriz (Hawkins), coadjuvantes (Spencer e Jenkins), “A Forma da Água” é o favorito da noite do Oscar, dia 4 de março. Se vencer será o segundo ano seguido que o tema exclusão é premiado pela Academia. No ano passado, “Moonlight”, também colocava luz aos que a sociedade dominante insiste em colocar à parte. Que o cinema continue assim a iluminar esse caminho em todas as formas.


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